A ilusão da separação completa entre vida pessoal e vida profissional é uma questão sobre a experiência humana no trabalho. Por muito tempo, o discurso corporativo dominante incentivou – ou até exigiu – que os profissionais compartimentassem suas vidas: problemas de casa deveriam ficar do lado de fora do escritório, e o estresse do trabalho não deveria atravessar a porta de entrada de casa. Ouço isso há uns 40 anos e essa narrativa continua ativa, hoje mesmo li um texto no Linkedin clamando por essa separação, para meu espanto. Mas a realidade é bem mais complexa.
Somos seres integrais. Temos um só cérebro, um só corpo, uma só mente. Quando algo nos afeta emocionalmente em casa — como uma doença na família, um término de relacionamento ou preocupações financeiras —, não há um botão mágico que possamos apertar para que essas emoções desapareçam ao entrar no ambiente de trabalho. Da mesma forma, pressões excessivas, conflitos com colegas ou insegurança profissional também nos acompanham para casa, influenciando nosso humor, nossa saúde mental e até nossas relações pessoais.
Essa expectativa de compartimentalização não só é irreal como pode ser prejudicial. Ao negar essa integração natural entre o pessoal e o profissional, as empresas muitas vezes criam ambientes onde a vulnerabilidade é vista como fraqueza, e a saúde emocional é ignorada em nome da produtividade. Isso leva ao desgaste, à desumanização das relações de trabalho e ao adoecimento silencioso de muitos profissionais.
Por outro lado, organizações mais conscientes estão começando a reconhecer que pessoas felizes, equilibradas e acolhidas emocionalmente produzem mais, se engajam mais e permanecem mais tempo nas empresas. Criar espaços onde os colaboradores possam ser autênticos — e não apenas “funcionários” — é essencial. Isso não significa transformar o ambiente corporativo em uma extensão da vida pessoal, mas sim reconhecer que emoções existem, que a empatia é fundamental e que dar suporte real às pessoas deve ser parte da cultura organizacional.
No fim das contas, integrar e não separar é o caminho mais humano — e mais sustentável. Trabalhar não deveria significar abandonar partes de quem somos, mas sim encontrar formas de sermos inteiros, mesmo dentro de contextos profissionais.