Sistemas de geração de riquezas e seus impactos nas relações sociais e na gestão organizacional

O mundo está numa transformação profunda. As relações sociais estão em processo de adaptação em função das novas tecnologias de informação e comunicação. Nada é o que era antes. Menos a gestão organizacional que ainda se baseia em redes hierárquicas e na enorme diferença nos ganhos de quem faz parte do nível estratégico e do nível operacional, ainda que um novo sistema de geração de riquezas tenha surgido na segunda metade do século passado.

Antes da década de 1960, o sistema de geração de riquezas dominante se baseava na industrialização e comercialização de bens tangíveis, era o que Alvin Toffler chamava de a “economia das chaminés” ou a “primeira revolução industrial” segundo alguns historiadores. Uma enorme quantidade de temas e da variação desses temas inundou o mercado. Por exemplo, fabricam-se objetos para sentar chamados cadeiras (tema) e uma enorme variedade delas (variação do tema), para todos os gostos e posses. E isso é aplicável a qualquer tema que se possa imaginar: uma enorme variedade de camas, de veículos de transporte, de objetos para cozinha, de roupas e assim por diante. Uma característica notável desse sistema é que se precisava de muito capital para criar uma indústria, não era para qualquer um. Também havia uma palpável diferença de conhecimento entre as chefias e quem trabalhava ao nível operacional, pois pouca gente conseguia bancar a educação universitária.

O advento dos primeiros computadores marca o surgimento de um novo sistema de geração de riquezas que é baseado no fluxo de informações, conhecimento e geração de símbolos. É importante notar que o surgimento de um novo sistema de geração de riquezas não significa que o ciclo anterior é encerrado. Observe-se que temos até hoje sociedades de caça e coleta (primeiro ciclo), como os Bosquímanos na África ou os índios brasileiros, coexistem com sociedades industriais. Obviamente as indústrias (quarto ciclo) continuarão existindo na economia da informação, pois são inclusive necessárias para criar e desenvolver as ferramentas que utilizamos hoje para gerar riquezas (chips, computadores, celulares e outros). No entanto, note-se que as linhas de produção estão sendo robotizadas, logo, mesmo nas indústrias, cabe aos humanos o trabalho criativo e não muscular como no ciclo anterior. A rigor, quando se olha a história em profundidade, percebemos cinco diferentes sistemas de geração de riquezas desde que a sociedade humana existe (1). Cada um desses sistemas teve um impacto significativo nas relações sociais. Nenhum desses sistemas foi socialmente erradicado, mas cada novo ciclo eventualmente se tornou dominante. Neste texto vamos tratar apenas dos últimos dois ciclos e de algumas diferenças entre eles: a economia das chaminés e a economia da informação.

Quadro que aponta algumas diferenças entre a economia das chaminés (verde) e a economia da informação (roxo)

No início da revolução industrial ninguém sabia como organizar uma empresa, logo copiaram a organização hierárquica utilizada pelos exércitos. Também não tinham ideia de como tratar as pessoas, então resolveram amarrá-las às fábricas, copiando a servidão (típica do ciclo anterior) que mantinha as pessoas presas aos feudos nos quais tinham nascido. Só para ilustrar, leiam o relato abaixo:

“Era uma instituição onde havia 400 pessoas que não eram casadas e que deviam levantar-se todas as manhãs às cinco horas; às 5:50h deveriam ter terminado de fazer a toilette, a cama e ter tomado o café; às 6:00h começava o trabalho obrigatório, que terminava às 8:15h da noite, com uma hora de intervalo para o almoço; às 20:15h, jantar e oração coletiva; o recolhimento aos dormitórios era às 21:00h em ponto” E segue “Os pensionistas só podiam sair do estabelecimento durante os passeios de domingo, mas sempre sob a vigilância do pessoal religioso que vigiava os passeios, os dormitórios e assegurava a vigilância e a exploração das oficinas. O pessoal religioso garantia, portanto, não só o controle do trabalho e da moralidade. mas também o controle econômico. Estes pensionistas não recebiam salários, mas um prêmio – uma soma global estipulada entre 40 e 80 francos por ano – que somente lhes era dado no momento em que saiam.” E ainda “De um modo geral, os dois princípios de organização, segundo o regulamento, eram: os pensionistas nunca deveriam estar sozinhos no dormitório, no refeitório, na oficina, ou no pátio, e deveria ser evitada qualquer mistura com o mundo exterior, devendo reinar no estabelecimento um único espírito.”(2)

O que parece essa instituição para você? Uma prisão? Um hospital psiquiátrico? Um convento, talvez? Um quartel? Nada disso. Era uma fábrica têxtil onde trabalhavam mulheres, situada na região do Ródano, na França.

Mais tarde descobriram, depois das muitas revoltas dos trabalhadores, que isso era inadequado, então surgiram os assalariados. Funcionou. Durante os séculos XIX e XX uma grande quantidade de invenções, como a luz elétrica, os meios de transporte e a produção de roupas realmente tornaram as nossas vidas mais confortáveis. No entanto, o “conforto material” não saiu de graça: a poluição e degradação ambiental, a escassez de recursos, o esgotamento das áreas produtivas, a alteração climática e muitos outros são os efeitos desse sistema de geração de riquezas com os quais temos que lidar hoje.

Na economia simbólica, a exemplo do que foi feito no ciclo anterior, estamos copiando a gestão utilizada no último ciclo e descobrindo que não funciona. Trabalhamos com ideias e criatividade, mas ainda estamos amarrados a mesas por oito horas diárias (ou mais) em espaços geográficos específicos, como se estivéssemos numa linha de produção. Nosso conhecimento gera enormes lucros, mas ainda somos apenas assalariados. Cargos de chefia são mais uma questão de oportunidade do que de competência e experiência, pois o conhecimento e experiência de quem está embaixo pode ser equivalente, ou até maior, do que quem está hierarquicamente acima. Além dos problemas internos, ainda enfrentamos uma turbulência e complexidade externas sem precedentes e as soluções que aplicamos para resolver todos esses problemas apenas os tornam perenes. A competição interna e a insatisfação aumentaram exponencialmente e a complexidade da gestão, interna e externa, chegou a um nível tal que os executivos precisam conselheiros e/ou “coachs”. Quanto maior a organização, mais isso se aplica.

Apesar dos desafios significativos que a gestão organizacional enfrenta, na economia da informação também existem oportunidades sem precedentes para organizações dispostas à adaptação e inovação. Ao reconhecer as mudanças que estão ocorrendo na sociedade em geral e no mundo dos negócios, as organizações que adotam uma abordagem ágil, colaborativa, orientada ao aprendizado, com foco em inteligência coletiva podem se posicionar para prosperar em um ambiente cada vez mais dinâmico e competitivo. Essas mudanças são essenciais não apenas para o sucesso das empresas, mas também para o progresso e o bem-estar da sociedade como um todo.

Clara Pelaez Alvarez (20 fevereiro 2024)

(1)   Para saber mais sobre os sistemas de geração de riquezas e seus impactos nas relações sociais  leia o livro “Enredamento” de Clara Pelaez Alvarez (junho de 2012).
https://www.researchgate.net/publication/233818430_Enredamento
(acesso em 22/02/2024)

(2) A verdade e as formas jurídicas, páginas 108-109, Michel Foucault, 1973, Editora Nau